Após presidentes da Câmara e do Senado prometerem que
PEC 215 só será votada sob consenso, José Eduardo Cardozo insistiu em
formato reprovado por indígenas
No final da tarde dessa quinta-feira (29), os índios saíram de uma
reunião com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, com a avaliação
de que nada mudou no panorama das demarcações de terras indígenas no
País. A conversa com Cardozo girou em torno do formato das mesas de
negociação entre índios e produtores rurais que, como afirmam os índios,
beneficia atos políticos por parte dos ruralistas claramente contrários
às reivindicações indígenas e apoiam as propostas que afrontam os
direitos constitucionais desses povos.
O formato das mesas de negociação é tratado em uma carta entregue a
Cardozo pelos índios na reunião. No documento, eles detalham que "sob a
falsa justificativa de defender pequenos agricultores, o Ministério
simplesmente se curva diante dos interesses do agronegócio e da bancada
ruralista, que por sua vez incita o ódio e o preconceito contra nossos
povos por meio de parlamentares que só visam enriquecer a si próprios,
esquecendo seu verdadeiro papel".
Na carta, os índios também exigem que o ministro dê sequência às
demarcações de terras indígenas em todo país e arquive de vez sua
proposta de alterar o procedimento de demarcação – o qual, na prática,
pode paralisar definitivamente as demarcações.
Além disso, reivindica a punição dos assassinos de lideranças indígenas
financiados pelo agronegócio e dos parlamentares que incitam ódio
contra os povos originários, e ainda a desistência de todas as medidas
genocidas que paralisam a demarcação dos territórios indígenas,
incluindo a Minuta de Portaria proposta pelo MJ, e também a revogação da
Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU).
A reunião foi resultado de protestos realizados desde a manhã do mesmo
dia, quando cerca de 300 lideranças indígenas ocuparam os acessos do
Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, dentro das ações da
Mobilização Nacional Indígena, que reuniu mais de 600 índios e terminou
nessa quinta-feira (29). Embora as reuniões anteriores no Congresso
Nacional tenham sido consideradas positivas, o diálogo com Cardozo foi
totalmente insatisfatório para os índios. Integravam a comissão recebida
por Cardozo 18 representantes indígenas de todo o país e um quilombola.
Antes do encontro, cinco índios acorrentaram-se ao mastro da bandeira
do Brasil, em frente ao Ministério da Justiça, e arriaram o pavilhão
nacional a meio mastro para simbolizar o assassinato de várias
lideranças indígenas nos últimos anos e o desprezo do governo pelos
direitos indígenas. Após a reunião, os índios realizaram um protesto em
frente ao Ministério da Justiça, se acorrentando ao mastro da Bandeira
do Brasil, e também a pintaram com urucum, um pigmento vegetal vermelho
que simulou uma mancha de sangue. “Agora é guerra”, declararam os
índios ao deixarem o prédio. Muitos deles, chorando.
PEC 215
Os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente
Renan Calheiros (PMDB-AL) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), prometeram
aos índios que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 só
irá a votação com consenso.
A PEC 215 é alvo da principal luta das comunidades indígenas que estão
reunidas em Brasília para sua mobilização nacional, que querem impedir a
tramitação da proposta, amplamente defendida pelos deputados
ruralistas. A PEC inclui entre as competências exclusivas do Congresso
Nacional a aprovação de demarcação de terras indígenas e a ratificação
das demarcações já homologadas, estabelecendo que os critérios e
procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. Na
quinta-feira, um grupo de cerca de 300 quilombolas juntou-se aos
indígenas também para protestar contra a PEC 215.
Henrique Alves foi o responsável pela instalação da comissão especial
que avalia a PEC 215. A comissão foi instalada no dia 10 de dezembro do
ano passado, em menos de dez minutos, com a presença de lideranças
indígenas e novamente em clima de tensão, sob os gritos de “Demarcação
Já!" e "Assassinos!", em referência aos ruralistas. A comissão, evitada
por quase dois anos pelas mobilizações indígenas e manifestações
populares, foi criada em abril e constituída em setembro de 2013.
Na época da criação da comissão, o Conselho Indigenista Missionário
(Cimi) apontou que sua instalação atende única e exclusivamente aos
interesses da bancada ruralista no Congresso Nacional e "reforça a
declaração de guerra do latifúndio contra os povos indígenas, contra os
quilombolas, contra o meio ambiente e os respectivos direitos
constitucionalmente estabelecidos". A entidade denunciou ainda que o ato
presidencial se deu "no calar da noite".