A presidente Dilma Rousseff usou nesta terça-feira o
palanque privilegiado da Assembleia Geral da ONU para afirmar que a
espionagem atribuída aos Estados Unidos, por meio da Agência de
Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), representa uma violação
dos direitos humanos e um desrespeito às soberanias nacionais.
Primeira líder a falar no debate geral de chefes
de Estado da organização, a presidente disse que "a rede global de
espionagem" da NSA provocou "indignação e repúdio" em "amplos setores da
opinião pública mundial” e ainda mais no Brasil, onde ela própria, seus
ministros e a Petrobras teriam sido alvo das ações.
"Estamos, senhor presidente, diante
de um caso grave de violação dos direitos humanos e das liberdades
civis", disse Dilma, dirigindo-se ao presidente desta sessão da
Assembleia, John Ashe, embaixador de Antígua e Barbuda na ONU. "Da
invasão e captura de informações sigilosas relativas a atividades
empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional".
"Jamais pode uma soberania firmar-se em
detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito à segurança dos
cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos
humanos fundamentais dos cidadãos de outros países", protestou Dilma.
"Pior ainda", continuou, quando empresas privadas fazem parte do
esquema.
"Não se sustentam os argumentos de que a
interceptação ilegal de informações e dados destina-se a proteger as
nações contra o terrorismo. O Brasil", disse Dilma, "repudia, combate e
não dá abrigo a grupos terroristas".
'Inadmissíveis'
Por tradição, cabe ao mandatário brasileiro
abrir os trabalhos da plenária de líderes das Nações Unidas, o principal
fórum que reúne os líderes dos 193 países-membro da organização. O tema
deste ano era "Agenda de Desenvolvimento Pós-2015: Preparando o
cenário".
Dilma Rousseff já tinha avisado que
ancoraria o seu discurso na polêmica envolvendo a espionagem americana.
Até a Casa Branca já esperava que ela fizesse críticas mais fortes aos
EUA, mas ainda havia dúvidas sobre quão duro seria o tom que a
presidente adotaria.
A versão final do discurso ficou pronta às 4h da
manhã, e assessores do Planalto disseram que até no café da manhã a
presidente ainda rabiscava mudanças no texto.
Indiretamente, a presidente fez menção à importância do caso na sua decisão de adiar uma visita ao Estado aos EUA em outubro.
"Governos e sociedades amigos, que buscam consolidar uma parceria estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais. Elas são inadmissíveis."
Dilma Rousseff
"Governos e sociedades amigos, que buscam
consolidar uma parceria estratégica, como é o nosso caso, não podem
permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem
normais. Elas são inadmissíveis."
Segundo documentos secretos da NSA revelados
pela imprensa, o governo dos EUA teria interceptado telefonemas e
e-mails da presidente e de seus principais assessores, assim como dados
sigilosos da Petrobras.
As denúncias provocaram um forte abalo nas
relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos, que culminaram com o
adiamento de um encontro entre Dilma e o presidente americano, Barack
Obama. A reunião estava prevista para ocorrer em outubro, em Washington.
Uso e segurança da internet
Como esperado, a presidente manifestou apoio a
medidas voltadas para incrementar a segurança dos dados nas comunicações
globais e a governança da internet.
Esse tema tem sido alvo de discussões em várias
instâncias da ONU. No Conselho dos Direitos Humanos, em Genebra, por
exemplo, cerca de 250 entidades assinaram uma carta de princípios
internacionais com recomendações para que os governos não façam uso de
práticas de vigilância ilícitas e abusivas nas comunicações globais.
A Alta Comissária das Nações Unidas para
Direitos Humanos, Navi Pillay, e o relator especial para Liberdade de
Expressão da ONU, Frank La Rue, já expressaram preocupação com as
implicações das ações da NSA.
"O problema transcende o relacionamento
bilateral (entre EUA e Brasil)", colocou Dilma. Ela disse que o Brasil
apresentará propostas para criar um marco civil multilateral para
garantir a liberdade de expressão na internet, estabelecer uma
governança democrática e multilateral da rede e preservar o seu caráter
de universidade, diversidade e neutralidade.
"As tecnologias de telecomunicações e informação
não podem ser o novo campo de batalha entre os Estados. Este é o
momento de criarmos as condições para evitar que o espaço cibernético
seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da
sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestruturas de outros
países", defendeu a presidente.
Síria e Brasil
Dilma também falou de outros temas na ONU. Ela
defendeu uma solução negociada para a Síria e disse que é uma "derrota
coletiva" que a organização cumpra 70 anos, em 2015, "sem um Conselho de
Segurança capaz de exercer plenamente suas responsabilidades no mundo
de hoje".
Esta "limitada representação", disse Dilma, está
relacionada às dificuldades da ONU em oferecer uma solução para o
conflito sírio e à "paralisia" no tratamento das negociações de paz
entre israelenses e palestinos.
A presidente defendeu ainda reformas no Fundo
Monetário Internacional (FMI) para elevar a participação dos países
emergentes em decisões que afetam a economia global, que continua
"frágil", nas palavras da presidente.
Em outro ponto do discurso, a presidente se
referiu aos protestos ocorridos no Brasil em junho, dizendo que, em vez
de reprimi-los, o governo "ouviu e compreendeu as vozes das ruas. Porque
nós viemos das ruas".
"Os manifestantes não pediram a volta do passado. Pediram um avanço para um futuro com mais direitos, mais conquistas sociais."
"Nossa estratégia de desenvolvimento exige mais, tal como querem todos os brasileiros e as brasileiras", afirmou.
Dilma também destacou conquistas sociais de seu
governo, como a redução da desigualdade e a saída de milhões de
brasileiros da pobreza.
Desenvolvimento sustentável
Ainda nesta terça-feira, a presidente Dilma
Rousseff participa de uma sessão de alto nível para encaminhar as
resoluções da Rio+20, realizada no ano passado.
A conferência discutiu o modelo de
desenvolvimento sustentável que os governos devem buscar a partir de
2015, em substituição às metas básicas de redução da pobreza e elevação
de indicadores sociais contidas nos Objetivos do Milênio.
"O grande passo que demos no Rio de Janeiro foi
colocar a pobreza no centro da agenda do desenvolvimento sustentável”,
disse Dilma. "A pobreza, senhor presidente, não é um problema exclusivo
dos países em desenvolvimento, e a proteção ambiental não é uma meta
apenas para quando a pobreza estiver superada."
A ONU estabeleceu o Fórum de Alto Nível sobre
Desenvolvimento Sustentável, que reúne governos e chefes de Estado. A
instância se reunirá a cada quatro anos na Assembleia Geral da ONU, com
reuniões em nível ministerial uma vez por ano. Suas deliberações se
traduzirão em declarações governamentais acordadas pelas partes.
A partir de 2016, a instância acompanhará a implementação das metas de desenvolvimento sustentável pelos países da ONU.
Nenhum comentário:
Postar um comentário